O bom é que essa premissa, já na primeira temporada, não se sustenta. E o que vemos é um Tony cercado por pessoas esquisitas, cheias de pequenos defeitos, mas também generosas cada qual a seu modo, autocentradas, mas capazes de olhar de soslaio e se compadecer do sofrimento alheio. É justamente aí que a série melhora, e melhora muito. Todos os personagens que interagem com Tony parecem dispostos a demovê-lo da ideia de suicídio e a fazê-lo perceber que há vida e até felicidade depois da morte da esposa. d3n27
Piegas? Aí é que está. A série tem lá aquele incômodo pianinho que ressalta os momentos mais dramáticos. E também tem diálogos horrorosamente artificiais, cheios de lição de moral, sem falar em algumas interpretações tão ruins que fazem o saudoso cigano Igor de uma novela qualquer merecer um Oscar. Mas esses defeitos, em vez de incomodar, despertam no espectador uma generosidade tão improvável quanto aquela de que o protagonista é alvo.
Já na primeira temporada de After Life vemos o espírito autodestrutivo e cruel de Tony ser vencido por pequenos atos de bondade. Não me refiro, aqui, a ajudar um cego a atravessar a rua. A bondade que After Life retrata é mais sutil e está no trato entre os personagens, cada qual com suas idiossincrasias, cada qual com sua bagagem de infelicidade, cada qual lutando para ser uma pessoa melhor, digna da mesma saudade que Tony sente pela esposa morta.
Como a segunda temporada de After Life estreou na Netflix no último dia 24 de abril, acredito que o leitor já tenha entendido que Tony não se mata. O que não quer dizer que sua infelicidade diminui. Em seu processo de luto, Tony a horas bebendo e assistindo aos vídeos em que sua mulher, sempre tão alegre (de uma alegria daquelas bem barulhentas, quase vulgar), revela como o ser humano pode ser bom.
Mas ele está comprometido a ser uma pessoa melhor, a não jogar sobre os que o cercam a responsabilidade pela morte da esposa e por sua tristeza. E o que vemos nessa segunda temporada é justamente um Tony que parece ter percebido que todos ao seu redor de alguma forma lutam para manter a cabeça para fora d’água nessa sucessão de tropeços que é a vida.
Curioso perceber como Ricky Gervais, conhecido por seu ateísmo militante, bebe de fontes religiosas milenares que falam em resignação e no sofrimento como caminho para a salvação. É como se, de repente, o comediante de um dos espetáculos de stand up mais constrangedores de todos os tempos, no qual ele tenta alertar o público para o lado irreal de histórias como a da Arca de Noé, percebesse que há, sim, um sentido na vida. Talvez o sentido de que fala Viktor Frankl?
No universo de séries cheias de críticas sociais ou de referências vazias e nostálgicas aos anos 1980 ou ainda com metáforas óbvias, sem falar na exaltação da virtude política de alguns personagens, After Life é um alento. Porque, a despeito de certa pobreza técnica, ela se propõe apenas a contar a história de uma pessoa infeliz que, cercada por outras pessoas igualmente ou mais infelizes, mas com uma natureza intrinsecamente caridosa, se esforça para tornar a existência ável num mundo que a todo instante parece querer nos mostrar que não há motivo para continuar vivendo.
Mas há, sim. E como há!
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