Rosa Weber afirmou que o Supremo não deveria interferir na decisão que o Senado tomou. “O quórum constitucional foi alcançado para a perda do cargo, enquanto tal não se verificou no que diz com a inabilitação, a afastar a razoabilidade da pretendida substituição, pela via judicial, do mérito realizado no âmbito do próprio Senado Federal [...] Considero que a pretensão de transplantar, tout court, para o quesito referente à supressão dos direitos políticos, o quantitativo de votos obtidos no quesito perda do cargo, implica indevida substituição, per saltum, do mérito da decisão tomada pelo voto”, afirmou. Em outras palavras, o que a ministra diz é que não haveria como decretar a inabilitação de Dilma porque não seria possível repetir agora a segunda votação e porque não seria razoável aplicar à inabilitação o resultado da primeira votação, referente à cassação. É algo que não faz o menor sentido porque, para início de conversa, a Constituição jamais previu duas votações, mas apenas uma, a que determina a perda do mandato; é o seu resultado que também traz consigo a inabilitação como consequência automática. Fosse o artigo 52 aplicado como deveria, os 61 votos que cassaram Dilma também a teriam inabilitado para cargos públicos por oito anos.
O STF existe, entre outras coisas, justamente para consertar as inconstitucionalidades alheias, inclusive as cometidas por outros poderes. Se o Senado aprova uma lei inconstitucional, o Supremo a derruba, como poderia (e deveria) derrubar a condução de uma sessão de impeachment em que a Constituição foi ignorada. É absurdo alegar que o STF estaria de mãos atadas apenas porque é preciso respeitar a decisão dos senadores – especialmente quando o mesmo Supremo não mostra o menor respeito por decisões que o Congresso toma em estrito respeito à Constituição.
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Afinal, foi o Congresso quem decidiu que são crimes, no Brasil, o aborto e o porte de drogas. Foi o constituinte de 1988 quem decidiu que a autorização do Congresso era necessária apenas para a criação de estatais, não para sua venda. Foi o Congresso quem resolveu que detentores de mandato, dirigentes partidários e sindicais não podiam comandar estatais ou fazer parte de seus conselhos. Foi o Congresso quem decidiu que o trabalhador tem de manifestar expressamente sua intenção de colaborar com o sindicato da categoria que representa. Foi o constituinte de 1988 quem protegeu os parlamentares, tornando-os “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Tudo perfeitamente legal, dentro das atribuições que cabem ao Poder Legislativo. Isso não impediu os ministros do STF de decidirem ou estarem em vias de decidir de forma contrária ao que o legislador deliberou.
Ou seja, quando se trata de defender a Constituição diante de uma ação flagrantemente inconstitucional do Senado, o Supremo lava as mãos; quando se trata de impor a própria vontade por discordar do que os representantes do povo decidiram de forma legítima, o Supremo age. Voluntarismo, inconstância, incoerência, todas essas características podem ser encontradas, com abundantes exemplos, na maneira de proceder do STF nos últimos anos, e ajudam a construir o descrédito com que boa parte dos brasileiros ou a ver a suprema corte: não mais como a guardiã da Constituição, das liberdades e garantias democráticas, mas como uma corte que faz o que bem entende, com critérios próprios, sem prestar contas a ninguém.